Texto de Luiz Carlos Aceti Junior e Maria Flavia Curtolo Reis, novembro de 2020

Recursos hídricos, um dos recursos naturais mais preciosos existentes no planeta, simplesmente pois não existe vida na Terra sem água! 

A partir desta premissa (não existe vida na Terra sem água) pode-se perceber a importância da água na vida dos seres humanos, animais e plantas.

No Brasil, o legislador se preocupou em redigir que a água é um bem de uso comum do povo, um bem finito, dotado de valor econômico, previsão expressa contida no artigo 1º da Política Nacional de Recursos Hídricos[1].

Importante lembrarmos sempre que (i) somos constituídos de mais de 60% de água e nosso corpo sobrevive sem ela somente cerca de 5 a 7 dias, dependendo de cada pessoa; (ii) a agricultura utiliza cerca de 70% da água consumida; a indústria precisa de água nos seus processos; e (iii) mesmo assim a humanidade ainda utiliza esse bem essencial de forma irresponsável.

Exatamente por isto que em 1992, na Segunda Conferência da ONU, a Rio 92, surgiu a Declaração Universal dos Direitos da Água, composta de 10 princípios fundamentais, dentre os quais o de que a Água é um dos direitos fundamentais do ser humano.

Maria Flavia Curtolo Reis

Mesmo após a realização da Rio 92 e o surgimento da Declaração Universal dos Direitos da Água ainda há muito a ser feito, e tanto isto é verdade que a ONU estabeleceu metas até 2030:

•          Disponibilizar o acesso da água a todos de forma equitativa e segura: A Estratégia Federal de Desenvolvimento – EFD[2] em consonância com esta meta propõe aumentar a oferta da rede de distribuição de água e da rede coletora de esgoto;

•          Oportunizar a todos o saneamento e higiene de modo a eliminar a defecação a céu aberto. (Dado da ONU aponta que ainda hoje há cerca de 2,5 bilhões de pessoas sem acesso a serviços de saneamento básico, como banheiros ou latrinas. Difícil imaginar que em 2020 ainda há pessoas que estão sujeitas a situações como esta.)

O Brasil, ainda nesta linha de melhoria na gestão hídrica e no saneamento, criou o conhecido Marco Legal do Saneamento Básico[3], onde em seu artigo 3º prevê que saneamento básico é o conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável (desde a captação até as ligações prediais), esgotamento sanitário (desde a coleta até sua destinação final), limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos (desde a coleta até sua destinação final), drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.  Dados lançados no texto do Decreto da EFD supra descrito apontam em 2018 que 46% da população dispunha de tratamento do esgoto coletado e 66,3% dos domicílios eram servidos de rede coletora ou fossa séptica. A meta proposta, segundo o documento, num cenário de referência é de respectivamente 77% e 81%.

Continuando a relacionar as metas:

•          Aumentar o tratamento adequado da água e seu reuso, bem como reduzir a poluição causada por lançamento de produtos químicos, materiais perigosos:

A Lei de Crimes Ambientais, em seu Art. 54, prevê que é crime causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. Nos casos de poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade, a pena é de reclusão, de um a cinco anos;

•          Aumentar a eficiência no uso da água, na indústria, agricultura, nos lares etc.

E neste ponto precisamos lembrar do teor da Política Nacional de Meio Ambiente[4], onde em seu artigo 2º prescreve o uso racional da água. 

É fácil perceber que sua utilização implica no equilíbrio ambiental, gerando responsabilidades e responsabilizações por quem a usa, mas também por quem a gerencia.

Luiz Carlos Aceti Junior

Seguindo a mesma determinação, a Política Nacional de Recursos Hídricos[5], em seu Art. 2º estabelece como objetivos: assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; a utilização racional e integrada dos recursos hídricos com vistas ao desenvolvimento sustentável; a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais; incentivar e promover a captação, a preservação e o aproveitamento de águas pluviais.

É importante destacar que assim como a ONU elegeu a água como um direito fundamental do ser humano, também a nossa legislação assim entendeu ao afirmar que a água é um bem de domínio público; um recurso natural limitado, dotado de valor econômico e que em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais.

E voltando nas metas:

•          Implementar gestão integrada dos recursos hídricos;

•          Ampliar a cooperação internacional e a capacitação dos países em desenvolvimento nas questões relativas a saneamento, tratamento efluentes, tecnologias de reuso, dessalinização etc., contando com o apoio das comunidades locais.

Ressalte-se que se inclui nas metas até 2020 proteger e restaurar ecossistemas relacionados com a água, incluindo montanhas, florestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos. 

A Lei 9605/98 estabelece em seu artigo 53 punição com aumento de pena para os crimes de cujo fato resulte a diminuição de águas naturais, a erosão do solo ou a modificação do regime climático. 

Cerca de 5.000 crianças morrem diariamente no planeta em decorrência de doenças evitáveis relacionadas à água e saneamento. E isto indiscutivelmente é um dado assustador.

Os reflexos da carência de saneamento se mostram nos índices de internação por infecção hospitalar, nos custos suportados pelo SUS por paciente para tratamentos dessas pessoas, nos prejuízos causados pelos afastamentos do trabalho tanto para o empregador como para o empregado.

Tratar a água, disponibilizá-la a toda a população, prover as moradias com redes de esgoto e coleta de lixo são medidas extremamente importantes. Mas não é só: dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento[6]) 2017 apontam que 38,3% da água tratada se perde na distribuição. (Para se ter uma ideia, na cidade de Tóquio[7], no Japão, há um desperdício de 2%.)  E o desperdício não é somente da água. A gestão ineficiente dos recursos hídricos também gera prejuízos financeiros ao cidadão que acaba pagando mais por um serviço de baixa qualidade.

Uma das metas do Decreto nº 10.531/2020 é reduzir até 2031 para 25% as perdas na distribuição da água tratada. 

Conscientizar a população sobre a importância de se usar bem a água e evitar desperdícios também deve ser meta do Estado, pois as pessoas participam efetivamente quando percebem os benefícios daquilo que lhe é proposto.

O Brasil possui uma legislação ambiental bastante rigorosa e atual e no que concerne aos recursos hídricos as principais leis são a Lei 6.938/81 que Instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, a Lei 9433/97 que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Lei 9984/2000 que criou a ANA – Agência Nacional de Águas, a Lei 9.605/98 conhecida como a Lei de Crimes Ambientais, e o Código Florestal, Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012.

De modo simplificado, a primeira e a segunda conjuntamente objetivam assegurar à atual e às futuras gerações a disponibilidade de água em quantidade e qualidade adequadas e a sua utilização racional, ou seja, sem desperdícios, sem poluição. A ANA é responsável pela implementação e coordenação da Política Nacional dos Recursos Hídricos e para isso estabelece as diretrizes gerais, os instrumentos, etc. A Lei de Crimes Ambientais prevê punição administrativa e criminal para quem poluir, ou mesmo utilizar do respectivo recurso natural sem autorização prévia e o Código Florestal, que versa sobre a proteção da vegetação nativa. 

Em 2020, o Marco Legal do Saneamento, Lei 11.445/2007, recebeu nova redação e estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. 

Conforme já destacado, a legislação ambiental brasileira é bastante rigorosa e tamanha relevância merece que a própria Constituição Federal contém referências ao tema: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

Nesse contexto, estabelece que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Percebe-se que todos os cidadãos têm responsabilidade na utilização dos recursos naturais. E a responsabilidade é objetiva, ou seja, existe a obrigação de reparar, independentemente de ter havido culpa por parte do agente causador do dano.

Isso implica que além da imputação do crime, que poderá ter sido cometido com dolo ou culpa, existirá a reparação civil independentemente da esfera criminal.

E o poder público não está imune às penalidades. 

A Constituição Federal prevê em seu Art. 37 que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e haverá responsabilização do servidor contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. A falta de fiscalização, a concessão irregular de alguma licença ou qualquer outra medida que afronte a legislação estará sujeita às penalidades vigentes.

Um exemplo prático de como a legislação aparece na vida do cidadão é a seguinte: o agricultor que deseja captar água do rio para usar em sua propriedade, precisa de autorização, chamada de Outorga. Esse documento estabelece a quantidade de água que poderá ser utilizada sem que comprometa a vazão do rio, os demais vizinhos, a população do entorno e o meio ambiente. A mesma exigência da outorga se faz presente para cavar um poço e para captar água do mesmo.

A sociedade ainda tem muito a avançar. Apesar de haver uma legislação rígida, ela por si só não promove as melhorias necessárias.

É preciso que as pessoas compreendam a importância do que estamos tratando e isso acontece com educação ambiental, desde a infância, fiscalização contra as irregularidades, punição adequada. E a conscientização precisa ser realista. Não se pode dissociar meio ambiente de sociedade e de crescimento econômico, pois todas as vertentes devem seguir alinhadas. É um desserviço culpar as atividades econômicas, mesmo poluidoras somente para polemizar. 

Luiz Carlos Aceti Junior: Advogado. Pós-graduado em Direito de Empresas. Especializado em Direito Ambiental, Direito Empresarial Ambiental, Direito Agrário Ambiental, Direito Ambiental do Trabalho, Direito Minerário, Direito Sanitário, Direito de Energia, Direito em Defesa Agropecuária, e respectivas áreas afins. Mestrado em Direito Internacional com ênfase em direito ambiental e direitos humanos. Professor de pós-graduação em direito e legislação ambiental de várias instituições de ensino. Palestrante. Parecerista. Consultor de empresas na área jurídico ambiental. Escritor de livros e artigos jurídicos em direito empresarial e direito ambiental. Coordenador do GT Jurídico da Abraps www.abraps.org.br . Consultor do portal www.mercadoambiental.com.br . Consultor do Mosai&co www.mosaieco.com.br . Sócio da ACDP www.acdp.com.br . Diretor da Aceti Advocacia www.aceti.com.br

Maria Flavia Curtolo Reis: Advogada. Pós-graduada em Direito de Empresas. Especializada em Direito Empresarial Ambiental, Direito Contratual e Obrigações Financeiras. Integrante da Aceti Advocacia www.aceti.com.br

Luiz Carlos Aceti Jr. estará no ODS Talks ABRAPS 2020 com nosso Grupo de Apoio Jurídico no dia 26/11, das 16:30 às 18:00h. Confira a programação completa e inscreva-se em www.odstalks.com.br


As opiniões contidas neste texto são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, as opiniões e posicionamentos da ABRAPS.

[1] Brasil, Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997.

[2] Brasil, Decreto nº 10.531, de 26 de outubro de 2020.

[3] Brasil, Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020.

[4] Brasil, Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.

[5] Brasil, Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997.

[6] Vide: http://www.snis.gov.br/

[7] Vide: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/02/toquio-e-uma-das-cidades-que-menos-desperdica-agua-no-mundo.html

Gestão Sustentável da Água e Saneamento