Fabrício Nascimento da Cruz

Resumo

Este artigo problematiza alguns desafios no âmbito da Gestão de Projetos, visando o alinhamento, a integração e a materialização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) nas políticas de sustentabilidade das organizações. É fruto de um estudo de natureza qualitativa, de caráter exploratório, o qual mobilizou 54 Gerentes de Projetos atuantes na área de sustentabilidade nos setores público, privado e sociedade civil. Constatou-se a necessidade de amparar institucionalmente, por meio de políticas e normas, a questão da Sustentabilidade em suas múltiplas dimensões, para reduzir, nas Organizações, as lacunas de apropriação de conhecimentos acerca dos ODS, bem como garantir dotação orçamentária para ampliar equipes, investir em ações de comunicação e relacionamento com os stakeholders e para efetivar as ações numa perspectiva de Gestão da Sustentabilidade que tornem aderentes as estratégias organizacionais aos desafios inerentes à Agenda 2030.

Palavras-chave

Sustentabilidade. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Gestão da Sustentabilidade. Gestão de Projetos.

Abstract

This article discusses some challenges in the scope of Project Management aiming at the alignment, integration and materialization of Sustainable Development Goals (SDGs) in organizations’ sustainability policies. It is the result of a qualitative study, of an exploratory nature, which mobilized 54 Project Managers working in the area of sustainability in the public, private and civil society sectors. There was a need to institutionally support, through policies and standards, the issue of Sustainability in its multiple dimensions,
to reduce the gaps in the appropriation of knowledge about the SDGs in the Organizations, as well as to guarantee budget allocation to expand teams, to invest in communication and relationship with stakeholders and to carry out the actions from a Sustainability Management perspective that make organizational strategies adhere to the challenges inherent in the 2030 Agenda.

Keywords

Sustainability. Sustainable Development Goals. Sustainability Management. Project Management.

INTRODUÇÃO

Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista. Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferentes graduações são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos (KRENAK, 2019).

O paradigma econômico que norteia a produção e o consumo é, na contemporaneidade, o responsável por aprofundar desigualdades, afetar a qualidade de vida e limitar a disponibilidade dos recursos naturais em escala planetária.

Os avanços técnicos e científicos acumulados ao longo do século XX, reconhecidos como vetores do progresso da humanidade, não foram suficientes para consolidar um modelo de desenvolvimento dinâmico, próspero, justo e ambientalmente equilibrado. Inversamente, a lógica vigente caracteriza-se pela incontrolabilidade (VIZEU et al., 2012), pela mercantilização de todas as dimensões da vida (LANDER, 2016), pela perversidade sistêmica (SANTOS, 2008) e pelo aumento da sua capacidade de autodestruição (VAN BELLEN, 2004; KRENAK, 2019).

Convenções, políticas e leis que regem a preservação e a conservação ambiental são dispositivos que, em alguma medida, limitam, impedem ou protelam o colapso de todo esse sistema, já que as incertezas que cercam a garantia dos recursos usufruídos atualmente às gerações futuras conferem um caráter desafiador a toda e qualquer atuação nesse campo, pelo fato de os resultados e impactos positivos não se consolidarem no tempo de maneira imediata.

Para a resolução ou a mitigação das complexas problemáticas, a sociedade precisa construir alternativas que integrem de modo sinérgico as dimensões econômica, ambiental, social, política, cultural e tecnológica, para ancorar discursos e práticas dos sujeitos individuais e coletivos dispostos a contribuir para uma transformação positiva e para o equilíbrio do planeta.

Pelos motivos supracitados, o termo Sustentabilidade passou a ser um dos mais evocados na contemporaneidade. Amplamente pautada em diferentes espaços políticos, sociais, organizacionais e em redes interorganizacionais, a sustentabilidade destaca-se pelo se caráter polissêmico e pelas diferentes abordagens que materializam visões de mundo, interesses e contradições dos atores sociais responsáveis pela sua difusão.

Antes restritas à questão ambiental (ELKINGTON, 2012; BARBIERI; CAJAZEIRA, 2009), as discussões e ações com enfoque em sustentabilidade, na medida em que foram se difundido e sendo apropriadas pelos atores sociais, passaram a integrar progressivamente as agendas públicas e privadas, aproximando as dimensões econômica e social.

Em contextos organizacionais, principalmente em ambientes corporativos, os discursos com enfoque em sustentabilidade ganharam força e forma por meio da implantação de áreas, programas ou departamentos (cidadania corporativa, sustentabilidade, responsabilidade social etc.) ou através da realização de projetos socioambientais, conectados ou não a programas mais robustos, reforçados por imperativos como geração de valor compartilhado, diferenciação, ampliação de vantagens competitivas, os quais objetivam ampliar e evidenciar o impacto socioambiental positivo da presença das organizações nos territórios, além da tentativa de mitigação de prováveis impactos negativos em suas áreas de influência direta ou indireta.

Propaga-se a sustentabilidade em demasia e, contraditoriamente, com maior intensidade, registra-se a acentuação das desigualdades abissais de renda, poder e conhecimento, o crescimento da lista das espécies extintas na flora e na fauna, o aumento da emissão dos gases
do efeito estufa na atmosfera, a devastação das florestas e, consequentemente, a alteração dos fluxos de vida nos mais diferentes biomas e ecossistemas.

Independentemente do direcionamento estratégico das organizações, nota-se que a implementação das ações socioambientais nem sempre têm seus propósitos alinhados com as agendas e os pactos globais que discorrem sobre o desenvolvimento e crescimento com sustentabilidade, o que, na condição de organizações signatárias, repercutiria positivamente, perante à sociedade e às suas cadeias de valor, contribuindo também para reforçar positivamente a imagem e reputação, bem como gerar ganhos para todos os stakeholders.

Face ao exposto e por reconhecer a relevância dessa temática no âmbito da gestão de projetos, definiu-se como questão de pesquisa: Quais os desafios a serem superados pelos Gerentes de Projetos visando o alinhamento, a integração e a materialização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) nas políticas de sustentabilidade das organizações onde estão inseridos?

O presente estudo definiu como objetivo geral identificar os desafios (conceituais e gerenciais) a serem superados por gerentes de projetos em ações que visem o alinhamento, a integração e a operação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nas políticas de sustentabilidade das organizações. Além desta introdução, o artigo traz outras 4 seções. A segunda traz a fundamentação teórica com uma breve contextualização sócio-histórica a partir de 1970, do conceito de sustentabilidade; na terceira, a descrição do itinerário metodológico; na quarta, a divulgação dos dados e análises da pesquisa; e na quinta, são apresentadas as considerações finais.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Contextualização

O termo Desenvolvimento Sustentável, tal como habitualmente o acessamos, foi cunhado pela primeira vez na década de 1970 pela Organização das Nações Unidas (ONU), especificamente em 1972, na Conferência da ONU sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, período em que se discutia amplamente a importância da gestão ambiental e do uso de avaliação ambiental como ferramenta de gestão, e onde o conceito de desenvolvimento sustentável foi também muito contestado, considerado uma frase de efeito que perderia força, tal como ocorrera com o conceito de tecnologia apropriada, muito difundido nesse período.

Entretanto, foi nos anos 1980, graças a atores da sociedade civil e a governos atentos ao excesso de violações dos limites dos recursos naturais impostos pela economia, que o conceito se tornou ainda mais popular. Em 1987, a partir do Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum) pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento (WCED), o conceito tornou-se um mainstream do campo da sustentabilidade, sendo o norte para a redefinição de modelos de intervenção nos territórios independentemente da escala (se local ou global). Todos esses esforços culminam na formulação e implementação da Agenda 21.

No contexto brasileiro, a essência desse conceito foi incluída na Constituição Cidadã, ao reforçar, no artigo 225, que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 2002). Fruto de pressões institucionais no espaço público, protagonizadas por movimentos da sociedade civil, governos e empresas, esta perspectiva ganha relevância no Brasil (BARBIERI et al.,2010), especialmente no âmbito da segunda Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (UNCED), também conhecida como Eco-92, Rio-92, Conferência do Rio ou Cúpula da Terra (VEIGA; ZATZ, 2008).

Nos anos 2000, os efeitos das mudanças climáticas impulsionam novas agendas no âmbito da questão ambiental. Esse período é marcado pela instituição dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e sucessivas tentativas de pactuação de acordos internacionais para a redução das emissões de CO2.

Entre os anos de 2005 e 2014, a UNESCO decretou a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, reconhecendo a educação como um importante fundamento para a sustentabilidade.

Em 2012, na Conferência Rio+20, da qual participaram mais de 190 países, reafirmou-se o acordo político das nações com o desenvolvimento sustentável e foram definidas metas para enfrentar os desafios que implicavam o crescimento econômico, o bem-estar social, a conservação e proteção ambiental. Deste importante evento, por ocasião da Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, foram formuladas as diretrizes dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), consolidados em 2015, representando o resultado de uma negociação intergovernamental com o objetivo de orientar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional até o ano de 2030.

Olhares cruzados sobre a sustentabilidade

De acordo com Sachs (2008), o Desenvolvimento Sustentável obedece ao duplo imperativo ético da solidariedade com as gerações presentes e futuras, pautando assim critérios de sustentabilidades social, ambiental e de viabilidade econômica. De modo complementar, Tenório e Lopes (2011) destacam a sustentabilidade como um princípio de atuação de uma sociedade que mantém as características necessárias para um sistema social justo, ambientalmente equilibrado e economicamente próspero, por um período longo e indefinido.

Para Socotto, Guimarães e Balinasso (2007, p. 33), o Desenvolvimento Sustentável segue anunciando um futuro de oportunidades comuns, um mundo de maior equidade social e equilíbrio, tido com mais crescimento econômico nas condições sociopolíticas vigentes, convergindo para o que denominaram de uma possível “economia mundial sustentável”.

A execução de iniciativas com foco no desenvolvimento sustentável assume uma multiplicidade de abordagens, tal qual a polissemia que lhe serve de lastro, conforme aponta Fischer (2002), ao destacá-lo como uma “rede de conceitos” associados aos adjetivos local, integrado e sustentável; Wolf (1976) associa desenvolvimento ao “mito ocidental do progresso”; e Marconato et al. (2013) o abordam como um campo de múltiplas conceituações e conflitos entre os biocentrados – os que defendem a primazia da natureza – e os antropocentrados – que defendem a ideia de que a natureza está para servir ao homem.

Buarque (2008) declara que o referencial de análise para o desenvolvimento sustentável deve ser holístico, implicando na monitoração das interações complexas entre os sistemas sociais, econômicos e ambientais, subsistemas do objeto do trabalho.

Em Munck (2013; 2015), a amplitude de abordagens conceituais em torno do tema assume as seguintes abordagens: (1) extremistas econômicas, marcadas pela predominância econômica e pela negação por completo das dimensões sociais e ambientais, (2) extremistas ambientais, cuja marcação é uma perspectiva de ambientalismo radical, não considerando as dimensões sociais e econômicas; e (3) integrativas, as quais refletem um ambientalismo renovado, preconizando o equilíbrio entre a economia, meio ambiente e a sociedade.

A rede de conceitos associada à sustentabilidade e ao desenvolvimento sustentável assume diferentes contornos, tornando-se um reflexo da diversidade preexistentes nos diferentes contextos organizacionais e na projeção das suas finalidades.

São muitas as filiações epistêmicas que influenciam práticas com enfoque em sustentabilidade em diferentes contextos interorganizacionais. Para Munck (2013), essa diversidade não configura um problema, pois auxilia na formação de acordos mais amplos com potencial de melhor orientar mudanças sociais frente à complexidade e à dinamicidade dos contextos concretos. Do ponto de vista desse autor, a sustentabilidade é compreendida como uma jornada e não como um destino fixo (MUNCK, 2013).

Tratar a Sustentabilidade como um conceito em permanente construção tem suas vantagens, pois haverá sempre um espaço a ser preenchido com novas ideias, valores, experiências, narrativas. Por outro lado, a “conveniência política altamente instrumental” apontada por Mebratu (1998, p. 518) reforça a indefinição e a imprecisão, gerando um espectro diversificado de definições e interpretações. Sobre essa questão, Bansal e Hee-Chan (2017) asseveram a crítica ao afirmarem que, em vez de criar precisão, a proliferação de construções contribui para ampliar a confusão em torno do tema.

Bansal e Hee-Chan (2017) destacam também que se criou uma confusão entre os conceitos de responsabilidade e sustentabilidade, atrapalhando assim o crescimento do campo. Para estes autores:

[…] os estudiosos estão construindo proliferações com significados semelhantes, ainda que ligeiramente diferentes, em um esforço para ganhar precisão pelo seu esforço acadêmico – construções como responsabilidade social corporativa (CSR) (Carroll, 1999), desempenho social corporativo (CSP) (Clarkson, 1995; Wood, 1991), desenvolvimento sustentável corporativo (Bansal, 2005), partes interessadas do capitalismo (Freeman, Martin & Parmar, 2007), social empreendedorismo (Mair & Martí, 2006), cidadania corporativa (Matten & Crane, 2005), o Triple Bottom Line (Elkington, 1997) e valor compartilhado (Kramer, 2011). Em vez de criar precisão, a proliferação de construções está contribuindo para a confusão (Bansal; Hee-Chan, 2017, p. 106).

No âmbito empresarial, bem como em outros setores, definir políticas, programas, projetos e estruturar áreas de Responsabilidade Social Corporativa passou a ser difundido como um diferencial competitivo e, obviamente, a motivação para as suas operações ficam atreladas a uma abordagem utilitarista, vinculada ao lucro.

Em que pese a diversidade de conceitos, é fundamental que a Organização assuma uma postura autêntica, inovadora, coerente e cada vez mais atenta a e comprometida com as agendas e pactos globais além de uma relação sinérgica com as partes interessadas que afetam e/ou são afetadas pela sua atuação.

Consoante com Barbieri et al. (2010, p. 149-150), em decorrência das pressões institucionais relacionadas a sustentabilidade, sobretudo, no que tange à questão ambiental, espera-se que surjam novos modelos e arranjos organizacionais, reconhecidos como “Organizações Inovadoras Sustentáveis”, as quais, na sua operação, contemplem as três dimensões que integram o Triple Bottom Line, são elas: social (foco nos impactos sociais das inovações nas comunidades humanas), ambiental (foco nos impactos ambientais pelo uso de recursos naturais) e econômica (foco na eficiência econômica).

Conhecida como a tríplice linha de resultados líquidos, o conceito formulado pelo economista inglês John Elkington na década de 1990 segue até os dias atuais, servindo de bússola para as práticas voltadas à sustentabilidade, em especial no mundo dos negócios, onde o conceito é reconhecido por estimular a consolidação de práticas que equilibram as dimensões sociais, econômicas e ambientais (BARBIERI; VASCONCELOS; ANDREASSI, 2010).

Barbieri e Cajazeira (2009) advertem que esse modelo corre o risco de que as três linhas se tornem apenas uma única linha (single bottom line) e se configure como um modelo centrado nos resultados econômicos, com comprometimentos dúbios acerca das responsabilidades sociais e ambientais, facilitando uma postura hipócrita pelas empresas, ou seja, um modelo centrado nos resultados econômicos, acrescido de comprometimentos dúbios.

A crítica ao Triple Bottom Line é bastante severa, contudo, Elkington (2012) chama a atenção para a instabilidade das suas linhas, devido aos fluxos decorrentes de pressões sociais, políticas, econômicas e ambientais, inerentes aos ciclos e conflitos. O autor ainda alerta sobre os esforços a serem empreendidos quanto a questões emergentes das entrelinhas, conforme descrição a seguir: (i) econômica/ambiental: as obrigações ambientais e valor dos acionistas, a ecoeficiência, a flexibilidade dos preços, economia e contabilidade e a reforma tributária ecológica; (ii) social/ambiental: observância dos refugiados ambientais, educação e treinamentos ambientais, justiça ambiental, capacidade de suporte para o turismo e equidade intergerações; e (iii) econômica/social: destacam-se os impactos sociais de investimentos, o comércio justo, ética empresarial, direitos humanos e das minorias, envolvimento dos
stakeholders.

É fundamental atentar para o caráter político-ideológico que permeia as formulações de alguns arcabouços filosóficos e teórico-metodológicos em torno do tema. Por esse motivo, Vizeu et al. (2012), após analisarem criticamente o conceito de sustentabilidade, ponderaram sobre o seu caráter ideológico, pois, este pode mascarar ou distorcer a realidade, principalmente quando os atores que o difundem pretendem fazer das suas ideias a versão dominante, mas não necessariamente verdadeira, impondo-as como condição central para estimular a reflexão contínua da realidade.

Nesse contexto, importa problematizar uma contradição sempre presente em algumas agendas de fomento à sustentabilidade, as quais discutem amplamente o conceito, mas, numa proporção inversa, implementam poucas ações efetivas, e muito pouco se rediscute sobre os atuais padrões de consumo por elas sustentados (SANTOS, 2018; LANDER, 2016; BUARQUE, 2008).

OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: ALINHANDO DISCURSOS E PRÁTICAS

Para que seja consolidada uma mudança paradigmática na forma como as pessoas e organizações interagem com os recursos disponíveis no planeta, Buarque (2008, p. 69) adverte para a necessidade de mudanças em pelo menos três componentes do estilo de desenvolvimento atual, são eles: o “padrão de consumo da sociedade”, a “base tecnológica dominante do processo produtivo” e a “estrutura de distribuição de renda”, cada um com a sua própria lógica e autonomia.

Um estudo realizado pela Rede Conhecimento Social constatou que 49% dos brasileiros não sabem o que são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável1 . Do público geral pesquisado, cerca de 2.000 pessoas, 38% já tinham ouvido falar nos ODS e conheciam superficialmente o assunto, 10% declararam conhecer o tema e apenas 1% afirmou saber bastante sobre o assunto.

Nesse contexto de construção de um novo paradigma comprometido com as Pessoas, com o Planeta, com a Prosperidade, com a cultura de Paz e com as relações de Parcerias, destaca-se a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável como norteadora das práticas de fomento e articulação de ações focadas no crescimento e desenvolvimento com sustentabilidade em todo o mundo, demandando amplo diálogo e formalização de redes de cooperação para sua efetivação.

Para viabilizá-la, foram elaborados os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), em vigor desde 2015, a partir do legado dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), e, até 2030, pretende-se traçar e efetivar novos rumos para o desenvolvimento pleno da sociedade contemporânea. Os ODS integram 169 metas que objetivam dentre tantos desafios globais: erradicar a pobreza, ampliar a igualdade de gênero, fomentar a agricultura sustentável, mitigar os efeitos das mudanças do clima, democratizar o acesso e o uso das tecnologias, garantir os direitos humanos e ampliar a consciência e a atitude positiva para com a humanidade e com o planeta. Na Tabela 1, são apresentados os 17 ODS.

Tabela 1 – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

O amplo repertório gerado a partir das diferentes conceituações precisa, porém, ser conhecido, estudado, aprofundado, criteriosamente selecionado e contextualizado de modo a servir para as organizações como um norteador de uma execução consciente, bem como para desencadear itinerários formativos alinhados ao perfil dos atores implicados e as peculiaridades dos territórios onde as ações pelas quais são responsáveis são implementadas.

GESTÃO DE PROJETOS E DA SUSTENTABILIDADE: CONEXÕES URGENTES E NECESSÁRIAS

Conforme caracterizado no Guia Project Management Body of Knowledge (PMBOK) do Project Management Institute (PMI) (2017), projeto é um esforço temporário empreendido para criar um produto, serviço ou resultado único, todavia, suas entregas podem existir mesmo depois do seu encerramento. Os projetos podem ser empreendidos em todos os níveis organizacionais envolvendo uma ou múltiplas organizações.

Para Pfeiffer (2005), o gerenciamento de projetos consiste numa atuação sistêmica, mas, ao mesmo tempo, flexível e ágil para tratar de todos os aspectos relevantes à realização de um empreendimento durante todo o ciclo de um projeto.

Os Gerentes de Projetos são, portanto, atores fundamentais, pois estão a intermediar as decisões da alta gestão e a mediar as interações com as demais áreas estratégicas e operacionais das Organizações.

Importante ratificar que a condução dos projetos deve ser uma responsabilidade vinculada à coordenação do Gerente de Projetos, o qual, segundo o PMI (2017), é o profissional responsável pela liderança da equipe para atender aos objetivos do mesmo e às expectativas das partes interessadas, executar funções de comunicação com o patrocinador, com os membros da equipe e com demais partes interessadas, criando conexões para desenvolver relacionamentos que auxiliem as equipes e organizações a atingirem suas metas e objetivos.

Ao escreverem sobre competências de gerentes de projetos sustentáveis, Todorov et al. (2013) destacam a liderança e a capacidade de comunicação como elementares para a atuação de um gerente de projetos sustentáveis; adicionam também o domínio de indicadores e métricas voltados à gestão sustentável, além de competências socioemocionais, a intuição, postura coerente, compromisso em fazer a coisa certa e conhecimento das dimensões da sustentabilidade.

Sobre o papel do gerente de projetos, importa reforçar quão estratégica é a atuação desse profissional, uma vez que é o responsável por integrar resultados a partir do gerenciamento de 49 processos, articulados em 5 grupos de processos (iniciação, planejamento, execução, monitoramento e controle, e encerramento) e em 10 Áreas de Conhecimentos, as quais, segundo o PMI (2017), são áreas identificadas de gerenciamento de projetos categorizadas por seus requisitos de conhecimentos e descritas em termos de processos (práticas, entradas,
saídas, ferramentas e técnicas). Na Tabela 2, encontra-se uma breve descrição das referidas.

Tabela 2 – Áreas de conhecimento em gestão de projetos

Obviamente que, a depender da especificidade e das necessidades no ciclo de um determinado projeto, outras áreas de conhecimento podem ser somadas ao referencial postulado pelo PMI. Os ODS, por exemplo, de forma ousada e transformadora, convocam toda a sociedade a participar da construção de modelos de governança comprometidos com a resolução ou mitigação de problemáticas complexas com abordagens integradas para equilibrar as dimensões econômica, social e ambiental. Dada a diversidade dos objetivos
propostos e o grau de sinergia com a cultura da organização, a sua institucionalização na política de sustentabilidade pode requerer a criação de novos processos e grupos de processos convergentes com a estruturação da Gestão da Sustentabilidade da organização.

Munck (2015) sugere que o tratamento dado à sustentabilidade seja mais amplo e profundo ao abordar que as organizações precisam estruturar a Gestão da Sustentabilidade, e não programas, projetos e ações isoladas que toquem superficialmente categorias vinculadas ao tema. Para este autor, a gestão da sustentabilidade não deve se restringir à compreensão dos impactos de uma dimensão na outra (social, ambiental e econômica), mas na reflexão sobre as tensões geradas, quando são, então, consideradas as diferentes escalas de tempo para cada uma acontecer.

Para as análises das mudanças significativas, importa destacar as palavras de Van Bellen (2004) ao frisar que sistemas de indicadores de sustentabilidade são relevantes para o processo de gestão, na medida em que estão aptos a retratar a realidade de maneira sistemática e orientar na formulação de políticas em diferentes esferas.

As organizações precisam pensar estrategicamente o desenvolvimento de competências dos profissionais responsáveis pela condução das ações socioambientais, para que possa desencadear processos dinâmicos de engajamento dos atores internos e externos e comunicar os resultados e impactos, de forma qualificada e simplificada, para diferentes públicos, pois, embora o tema seja amplamente difundido, nota-se um baixo índice de apropriação por parte da sociedade.

Retomando a discussão sobre a Gestão da Sustentabilidade, Carvalho e Carvalho (2019) destacam a sua relação direta com a gestão da integração, pois esta exerce influência nas demais áreas de conhecimento no âmbito da gestão de projetos. A partir desse entendimento, propõem a estruturação de uma interface com cinco processos, quais sejam: (1) planejar, (2) identificar os impactos do projeto, (3) planejar as respostas aos impactos, (4) implementar respostas aos impactos e (5) monitorar os impactos do projeto.

Complementando, Carvalho e Carvalho (2019) afirmam que essa simplificação permitiria o detalhamento de estratégias, políticas, procedimentos, documentações da gestão da sustentabilidade e facilitaria o alinhamento com o desenho do Triple Bottom Line na organização, bem como, com os ODS, resultando em ganhos para a cultura organizacional, a qual terá um mapeamento e análise sistemáticos das mudanças decorrentes do desempenho do projeto, além da possibilidade de acompanhamento dos avanços decorrentes da implementação do plano de Gestão da Sustentabilidade.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Nesta seção, será apresentada a sequência metodológica do estudo, o qual mapeou a complexidade inerente às relações intermediadas pelos gerentes de projetos no âmbito da gestão da sustentabilidade.

A pesquisa apontou como fundamental, o alinhamento e integração dos ODS no âmbito das políticas de sustentabilidade das organizações/empresas, visando a sua materialidade.

Para viabilizá-la, optou-se pela abordagem qualitativa, de caráter exploratório, com uma amostragem intencional, não probabilística, recorrendo-se, também, à utilização de técnicas de coleta de base quantitativa, resultando, assim, no conjunto de dados que permitem uma reflexão em amplitude e profundidade da problemática em questão.

A característica qualitativa da pesquisa residiu na necessidade de mobilização de diferentes atores com visões singulares sobre gestão de projetos, envolvendo a forma como a sustentabilidade é trabalhada nas organizações e sua relação com os ODS. Optou-se pela abordagem qualitativa por esta lidar com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, os quais não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994).

De modo complementar, a opção pela amostragem intencional baseou-se em Yin (2016), o qual a caracteriza pela seleção de unidades de estudo específicas, dispondo daquelas que gerem dados relevantes e fartos, considerando o seu tema de estudo.

A pesquisa exploratória, segundo Gonçalves (2014), trata-se de uma investigação que valoriza a relação do pesquisador com a fonte da coleta dos dados, alcançando maior familiaridade com o problema, permitindo sua análise sob diversos ângulos e aspectos, pois envolve levantamento bibliográfico e análise de contextos que estimulem a compreensão de fenômenos/problemáticas de modo mais amplo.

A coleta de dados deu-se por meio de um questionário digital, via Google Forms. A sensibilização e mobilização dos sujeitos da pesquisa foi também impulsionada em outras plataformas digitais, considerando a delimitação do seguinte perfil: profissionais atuantes como Gerente de Projetos em organizações de pequeno, médio ou grande porte, em áreas específicas ou programas com enfoque em Sustentabilidade, dos setores público, privado ou do terceiro setor. Como resultado, foram validados 54 questionários respondidos pelo
público com perfil alinhado ao objeto da pesquisa, realizada no período de agosto a outubro de 2019.

O questionário foi estruturado em três blocos, conforme descrição nos tópicos a seguir:

  • o primeiro, denominado de “Identificação”, com oito questões orientadas à caracterização das organizações (setor, porte, orçamento, quadro funcional) e mapeamento dos recursos destinados à área de Sustentabilidade;
  • o segundo bloco, denominado “Alinhamento, integração e materialização dos ODS”, reuniu 14 questões voltadas ao aprofundamento acerca do nível de conhecimento dos ODS em diferentes âmbitos da organização, bem como a aderência, alinhamento, integração, materialização e comunicação dos impactos oriundos da interface dos ODS com a estratégia de sustentabilidade das Organizações;
  • o terceiro bloco, intitulado “Os desafios dos ODS na percepção dos Gerentes de Projetos”, reuniu oito questões que exploram aspectos referentes à identidade profissional dos Gerentes de Projetos atuantes na área de sustentabilidade, seus tempos de experiência, suas credenciais e certificações.

Adicionalmente, as questões permitiram compreender em profundidade como profissionais dirimem suas demandas de qualificação para tratarem da temática ODS associada à política de sustentabilidade das organizações. Também identificam quais áreas de conhecimento no âmbito da gestão de projetos (considerando as 10 preconizadas no PMI) reconhecem como favoráveis ou não à consolidação dos ODS nas Organizações, como definem estratégicas de comunicação dos resultados e impactos deste setor para o público externo, e quais os desafios percebidos a serem superados para implementação da estratégia ODS nas organizações onde atuam.

Após a coleta, os dados foram tabulados, analisados, criticados e confrontados com a revisão de literatura específica já apresentada na seção anterior.

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

Nesta seção, elencam-se os resultados da pesquisa, os quais evidenciam percepções de 54 Gerentes de Projetos que atuam na área de sustentabilidade, sobre os desafios relacionados à integração dos ODS na política de sustentabilidade das organizações, independentemente do tamanho, finalidade e nível de complexidade das ações.

Os dados serão apresentados e discutidos nos cinco subitens a seguir: (i) Perfil dos Gerentes de Projetos, (ii) Perfil das Organizações; (iii) Abordagem da Sustentabilidade nas Organizações; (iv) Alinhamento e Integração dos ODS nas Organizações e (v) Interface Gestão de Projetos, Sustentabilidade e ODS.

Perfil dos gerentes de projetos

O estudo compreendeu a atuação dos Gerentes de Projetos, com conhecimentos teóricos e práticos na área de sustentabilidade, como estratégica para efetivar os trabalhos existentes neste campo, além de ser este o profissional responsável por qualificar a abordagem de ações futuras com maior consistência e rigor técnico ao conectar pautas e agendas globais, primeiramente com o público interno das organizações, com as suas cadeias de valor e, concomitantemente, com a sociedade de modo geral. Ademais, em se tratando dos ODS, essa será uma pauta cuja pressão será acentuada sobre empresas, Organizações da Sociedade Civil (OSC) e governos nos próximos anos, tendo em vista que essa agenda tem como horizonte o ano de 2030.

No contexto pesquisado, apenas 13% reconhecem-se e são reconhecidos em âmbito organizacional, no exercício das suas funções, como gerentes de projetos. 50% veem sua função assumindo diferentes denominações: 13% como consultores em gerenciamento de
projetos e 24% admitem que a função que ocupam na área de sustentabilidade melhor se enquadra como especialista em gerenciamento de projetos, gerente de programas, de portfólios ou ainda como diretor de projetos.

A maioria dos respondentes (39%) vinha atuando com gerenciamento de projetos por 6 a 15 anos, e 28% por mais de 15 anos. Esse dado demonstra que a maioria dos profissionais pelo tempo de atuação, acumula experiência e repertório suficientes, os quais lhes permitem desenhar e identificar oportunidades e sinergias com os desafios globais e as prioridades organizacionais na área de sustentabilidade.

Ainda que de 67% dos gerentes que colaboraram na pesquisa tenham afirmado possuir uma trajetória profissional neste campo de atuação, variando entre 6 e mais de 15 anos, um percentual relativamente baixo de profissionais, apenas 24%, possuem formação e certificações específicas.

Esse dado chama a atenção para uma questão relevante sobre o treinamento, fortalecimento das capacidades institucionais e desenvolvimento das equipes. Em alguns casos, por afinidade com o tema, o investimento em qualificação é assumido pelo próprio integrante, não onerando o orçamento das Organizações, e, em alguma medida, beneficiando-a. Contudo, é urgente e necessário que as Organizações assumam uma postura coerente e realizem investimentos proporcionais ao tamanho dos desafios que são delegados às equipes envolvidas na ação de promoção da sustentabilidade.

Ao abordar o quesito certificações do PMI, nota-se que os percentuais decrescem ainda mais. De 24%, apenas 8% afirmam ter alguma das certificações emitidas por tal instituição. Chama a atenção que os 4% estão concentrados na PMP, certificação elementar, primeiros níveis, dentre as ofertadas pelo PMI, e 2% como Profissional de Gerenciamento de Programas.

Para se qualificarem nos assuntos relacionados aos ODS, os gerentes que participaram da pesquisa recorrem à participação em eventos (28%), cursos à distância (19%) e 15% se qualificam por meio de suas redes de relacionamentos, principalmente, as suportadas por plataformas digitais, assumindo assim uma formação com caráter mais informal. 9% apontaram que as organizações viabilizam reuniões especializadas voltadas ao desenvolvimento neste campo. Apenas 4% indicaram que cursam programas de pósgraduação e outros 4% adotam benchmarking para ampliação da rede de relacionamentos, para maturação das escolhas e tomada de decisões.

Perfil das Organizações pesquisadas

Sobre a categoria a que pertencem as organizações onde atuam os gerentes de projetos que colaboraram com o estudo, notou-se uma situação bastante equilibrada: a liderança ficou com o Setor Privado, com 39%, registrou-se 35% entre as OSC e 26% vinculadas ao Setor Público. Em todos os setores, percebe-se que o tema da sustentabilidade vem progressivamente ganhando espaço nas agendas das organizações, e de suas respectivas lideranças, numa conjuntura na qual a sociedade assume, cada vez mais, uma atitude proativa, consciente e questionadora dos padrões de consumo e da conduta das instituições.

Com relação ao tamanho das Organizações cujos gerentes participaram do estudo, considerando a variável número de funcionários, 41% dos respondentes estão alocados em organizações de grande porte, ou seja, aquelas como mais de 100 integrantes, 31% em Micro (até 9 funcionários) e 28% do público estão em Média (10 a 49 funcionários) e pequena (entre 50 e 99 funcionários).

No quesito faturamento ou orçamento disponível no período de um ano, objetivando viabilizar as ações da área de sustentabilidade, 61% dos gerentes afirmaram integrar organizações consideradas de micro e médio porte. Os 39% restantes concentram a organizações de pequeno e grande portes.

Abordagem da Sustentabilidade nas Organizações

Sobre os recursos disponíveis, os gerentes de projetos afirmaram que 28% das organizações onde atuam dedicam mais de 25% do orçamento para a área de sustentabilidade. Por suposto, estas devem pertencer ao grupo de organizações do poder público e terceiro setor, demonstrando como a dotação orçamentária seguida da destinação tem uma conexão direta com a natureza e com o propósito da Organização. Outros 26% destinam entre 1% e 5%, 22% destinam menos de 1% e os 24% restantes destinam entre 6% e 25%.

No que tange à área de abrangência, e de maior incidência do trabalho, 56% das organizações possuem uma atuação territorializada nos âmbitos municipal e estadual. Os demais percentuais estão distribuídos nas seguintes escalas territoriais: nacional (18%), microrregional (15%) e internacional (11%).

Importante notar que, embora a inclusão da pauta dos ODS na agenda das organizações seja considerada estratégica, no âmbito deste estudo, 39% dos gerentes pesquisados informaram que, para superar os desafios nesta área, contam apenas com uma pessoa na equipe, e 39% estão com equipe cujo quantitativo varia entre 3 e 9 funcionários. Diante da magnitude das causas vinculadas à atuação neste campo, investir na composição de equipes e a garantia de condições mínimas de infraestrutura para uma atuação eficiente e eficaz, desponta como uma dimensão que carece de avanços.

A pesquisa “Profissionais de Sustentabilidade: atuação, projetos e aspirações” realizada pela Associação Brasileira dos Profissionais pelo Desenvolvimento Sustentável – ABRAPS e Deloitte (2015) abordou 370 profissionais, deste universo, 18,5% avaliaram que as empresas onde atuavam se encontravam com um alto grau de maturidade, sendo consideradas um referencial de excelência por terem sido pioneiras em enxergar o potencial da sustentabilidade para a geração de valor. Desse público, 69% reconheciam que suas
organizações conduziam o trabalho com o tema sustentabilidade de modo coerente com a relevância do tema para a geração de valor e promoção de práticas socioambientais.

Para ABRAPS e Deloitte (2015), a estrutura de governança das organizações ainda requer integração e envolvimento da alta administração sobre os desafios da área de sustentabilidade, incluindo a ampliação da interação com o conselho e os principais executivos. Tal estudo apontou que, na maioria das empresas (65%), não existe um Comitê de Sustentabilidade e aquelas que possuem tal estrutura precisam avançar no aspecto demonstração dos resultados, evidenciando as interfaces deste campo com geração de receita, resultados efetivos para a organização e os benefícios sociais para a sociedade.

Alinhamento e Integração dos ODS nas Organizações

Aprofundando no quesito nível de conhecimento sobre os ODS, 74% dos gerentes admitiram estar entre os índices bom (37%) e elevado (37%), os demais 26% reconheceram que o nível de conhecimento mais aderente às suas experiências está situado entre mediano, baixo ou muito baixo.

Considerando a mesma pergunta, porém, em âmbito organizacional, nota-se um decréscimo de 29 pontos percentuais se somado os índices bons (30%) e elevado (15%). Importante destacar que quanto maior for o intervalo entre os níveis de conhecimento socialmente partilhado do ponto de vista organizacional e dos profissionais que estão à frente dos processos, maiores serão as dificuldades de atuação dos gerentes de projetos neste setor.

Em se tratando das lideranças das organizações, registra-se que 30% possuem um nível de conhecimento entre bom e elevado. Nesse quesito, merece atenção o fato de 48% dos respondentes terem citado que, no âmbito estratégico, no qual se concentram os processos decisórios nas organizações, o nível de conhecimento ainda é percebido como mediano, baixo e muito baixo.

Sobre a adesão dos ODS pelas Organizações, os gerentes que participaram da pesquisa destacaram que 24% resultam da soma dos índices baixo, bom e elevado, e que 28% enquadraram os índices mediano e muito baixo. Os números demonstram que alinhar
discursos e práticas orientadas para a sustentabilidade exige um grande exercício de coerência a ser feito continuamente pelas organizações pesquisadas.

Quanto ao nível de adesão pelas lideranças das organizações, ficou registrado que 74% dos gerentes pesquisados concentram respostas entre bom, baixo e mediano. 19% reconhecem que suas lideranças possuem um nível de adesão aos ODS considerado elevado.

De acordo com a GRI (2016), os ODS apresentam uma oportunidade para que as soluções e tecnologias empresariais sejam endereçadas aos maiores desafios mundiais de desenvolvimento sustentável. Motivo pelo qual, formulou o SDG Compass, um guia com orientações para as empresas, a respeito de como elas podem alinhar as suas estratégias, mensurar e administrar sua contribuição para o atingimento dos ODS.

Desafio equivalente assumiu a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), porém, no âmbito da Gestão Pública. Essa articulação formulou um guia para socializar boas práticas e orientar governos locais a contextualizarem os objetivos globais nas agendas regionais e locais, conectando-os aos instrumentos de planejamento de políticas públicas vigentes e peças de gestão orçamentária. A publicação traz também uma metodologia (Mandala do Desempenho Municipal) para monitoramento dos avanços. Para a CNM (2017), o que garantirá a eficácia dessa intervenção é a incorporação dos conceitos de desenvolvimento sustentável e os ODS da Agenda 2030 em planos de governo, em especial nos Planos Plurianuais (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Leis Orçamentárias Anuais (LOA).

Como já explicitado, os ODS articulam 169 metas. Os gerentes foram questionados sobre qual dos 17 ODS seria aderente à estratégia de ação da Organização em que atuam. Em primeiro lugar, ODS 11 (Cidades e comunidades sustentáveis) e ODS 4 (Educação de qualidade), empatados com 17%; em segundo lugar, ODS 10 (Redução das desigualdades) foi citado por 11%; na sequência, ODS 12 (Consumo e produção responsáveis) com 9%; e ODS 3 (Saúde e Bem-estar) com 7%.

Dentre os ODS que, na ótica dos gerentes, mais se distanciariam da estratégia de ação das organizações onde atuam, destacaram-se: ODS 14 (Vida na água) com 20%; ODS 2 (Fome zero e agricultura sustentável) e 9 (Inovação infraestrutura) ambos com 15%; ODS 16 (Paz, justiça e instituições eficazes) registrou um percentual de 7%; e ODS 12 (Consumo e produção responsáveis) e ODS 13 (Ação contra a Mudança Global do Clima) ambos com 6%.

Embora sejam identificados alguns descompassos entre os níveis de conhecimento e adesão propriamente ditos dos ODS, os gerentes apontam que 52% das práticas são realizadas sistematicamente pelas organizações, frente aos 48% que dizem que estas ocorrem ocasionalmente (28%) ou raramente (20%).

Apesar de 17% dos gerentes afirmarem que as organizações não possuem instrumentos de planejamento e gestão contemplando os ODS, em alguma medida, é possível identificar o esforço em garantir a institucionalização por meio de normas e políticas institucionais (21%), programas e projetos pontuais (36%) e programas e projetos estruturantes (29%). Neste ponto, é importante ratificar que reconhecer a relevância do tema não é o suficiente para construir uma dinâmica mais equilibrada para sustentabilidade. É preciso criar um lastro que assegure a sua efetivação mediante uma abordagem qualificada amparada institucionalmente.

Vale também ressaltar que 61% dos gerentes que participaram da pesquisa disseram que as organizações onde atuam não são signatárias da Agenda ODS, 7% não têm conhecimento se a Organização aderiu ou não e 31% afirmam que a sua organização é signatária desta
Agenda. Quando questionados sobre o motivo que levou a organização a não ser signatária, fica novamente evidente a existência de falhas ou ruídos de comunicação interna nas organizações, uma vez que 43% não souberam informar ou alegaram desconhecimento dos trâmites da adesão pela alta gestão. Além deste ponto, complementaram com os seguintes argumentos: não priorização, o fato de não ser uma atividade finalística da organização, a ideia de que precisariam ser procurados para terem que assumir tal compromisso, ou pelo fato de não terem sido suficientemente estimulados para tal. Sobre os motivos para adesão, nota-se que a motivação, principalmente entre as organizações enquadradas no segundo setor, está ligada diretamente ao fator diferenciação e competitividade.

Para muitos dos respondentes, a adesão dá-se por meio da identificação das premissas da Agenda 2030 com algumas ações impulsionadas pelas organizações onde atuam. 20% destacaram que a motivação da adesão é a possibilidade de conexão com o propósito da organização a uma causa superior; 17%, para agregar à estratégia de sustentabilidade já em curso sobre a coordenação da organização; outros 13%, para contribuir efetivamente com melhorias para a sociedade de modo geral; 4% citaram a possibilidade de aumento da competitividade; e 4%, como uma forma de mitigar eventuais impactos negativos.

Independentemente do nível de organização, tamanho e complexidade de estruturação das ações, as organizações onde atuam os gerentes de projetos inseridos neste estudo realizam ações convergentes com os ODS. 39% delas realizam projetos ou programas socioambientais, acreditando que, através deles, cumprirão suas missões organizacionais, ou para atendimento de requisitos e obrigações legais. 15% contribuem articulando investidores sociais privados para direcionarem recursos para iniciativas vinculadas aos ODS. 20% apontaram que essa contribuição se dá em nível local ao apoiarem diretamente ações nas áreas de influência direta da sua atuação, ou seja, nos territórios onde estão inseridos. 6% investem diretamente, ou seja, apoiam financeiramente projetos socioambientais. Em paralelo, 20% afirmam não possuir qualquer ação específica com esse foco.

No que se refere a comunicação e difusão dos resultados e impactos para a sociedade, as redes sociais digitais aparecem como o primeiro canal escolhido para efetuar tal demonstração dos resultados, acumulando 31%, na sequência, o relatório anual, com 28%, e o site institucional, com 17%. Os 24% restantes estão distribuídos entre a comunicação direta com stakeholders, imprensa e comunicação oficial nos balanços sociais.

Interface entre gestão de projetos, sustentabilidade e ODS

Seja no mundo dos negócios, na área social, ou na administração púbica, os arranjos estruturados para a condução das ações de fomento à sustentabilidade assumem diferentes contornos, mesmo que comunguem de alguns desafios (criar condições para o equilíbrio entre as dimensões que, em tese, deveriam estar integradas em tais propostas, quais sejam: a ambiental, a política, a social, a cultural e a tecnológica) e demandem por instrumentos e metodologias de gestão que reforcem a governança e transparência (da concepção à avaliação do impacto das mesmas).

A respeito da consolidação de ações alinhadas aos ODS às estratégias de sustentabilidade, 35% dos gerentes de projetos encontram na área de conhecimento Gerenciamento das Partes Interessadas um campo adequado para a conformação de projetos, programas e políticas, seguida de Gerenciamento da Integração (22%) e Gerenciamento do Escopo (13%).

Gerenciamento de Custos é a área de conhecimento na qual os gerentes entendem que a estratégia ODS pode encontrar mais dificuldade para se consolidar (39%), ou seja, é fundamental garantir os recursos financeiros. Na sequência, o Gerenciamento das Partes Interessadas e o Gerenciamento de Recursos foram também apontadas como áreas que podem apresentar elementos dificultadores para viabilizar a integração e materialização dos ODS associados à política de sustentabilidade das organizações onde atuam.

Garantir dotação orçamentária é um dos principais desafios a ser superado para integrar os ODS na estratégia de sustentabilidade das organizações, motivo pelo qual a área de conhecimento em Gerenciamento de Custos registrou 39% das respostas.

Além das questões mais pragmáticas e objetivas, em segundo lugar, com 13%, os gerentes de projetos pontuaram a necessidade de todas as áreas da organização, bem como as partes interessadas, compreenderem a relevância desta agenda e assegurarem recursos que viabilizem programas e projetos comprometidos com a integração efetiva e que estejam alinhados às políticas de sustentabilidade (9%) das organizações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O agravamento de crises ambientais decorrentes das mudanças do clima, o aprofundamento das desigualdades sociais e a corrosão da democracia são fatores que demonstram que, embora reúna as condições sociais, econômicas e técnicas como nunca antes registrado na história da humanidade, fundamentais à obtenção de uma condição sustentável, a sociedade contemporânea não vem cumprindo os acordos coletivos assumidos em diferentes pactos de governança, sejam eles em âmbito local ou global, para a realização de ações socioambientais com potencial para gerar as transformações positivas pretendidas e amplamente difundidas.

Como caracterizam Tenório e Lopes (2011), a sustentabilidade é um conceito dinâmico que demanda ações concretas para a sua real efetivação, por isso, cabe enfatizar que, na mediação desse tema, o setor privado já não pode se preocupar exclusivamente em nutrir o paradigma utilitarista, focado somente nos ganhos financeiros, no lucro. Da mesma forma, não cabe mais aos governos conceber, formular e implementar políticas públicas apartadas de uma dimensão mais ampla, numa perspectiva territorial. Já para os cidadãos e cidadãs, salienta-se a impossibilidade de mudar o mundo estando isolados.

As Organizações contemporâneas precisam compreender que, para tornar viável a execução de práticas alinhadas ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), é fundamental clareza e firmeza de propósitos, uma vez que a atual conjuntura exige, cada vez mais, a construção de novas configurações institucionais que gerem benefícios sustentáveis para as cadeias de valor e para a sociedade em geral, mediante a conexão de atores sociais em redes de colaboração e de gestão compartilhada.

Munck (2015) ressalta que a sustentabilidade é intertemporal e que o seu alcance somente é possível no momento presente. Novas narrativas precisam ser fundadas e, para este autor, “[…] se tornaria possível acessar os atuais sentidos dados ao passado e ao futuro e, assim, identificar hoje os rumos dados aos contínuos projetos em contínua emergência (MUNCK, 2015, p. 532).

Por isso, importa destacar que a sustentabilidade nas organizações não deve ser tratada de maneira episódica. Do ponto de vista da gestão, deve ser incorporada nas políticas e normas que atendam a objetivos organizacionais ou governamentais, mas que também estejam contextualizadas e alinhadas com as reais demandas e necessidades dos públicos impactados.

Institucionalizar as práticas e fortalecer mecanismos de governança participativos tornase elementar para consolidar e perpetuar soluções integradas para a resolução de questões socioambientais complexas, além de criar oportunidades que também reinventem as formas de fazer acontecer.

Os gerentes, coordenadores e líderes devem compartilhar da compreensão de que organizações fortes, as quais inspiram confiança e se tornam referência para a sociedade, devem ser coerentes, demonstrando que os discursos que propagam refletem as atitudes das suas equipes e as práticas que efetivamente realizam. Ao adotar uma postura que possibilita a construção proativa do impacto social da sua atuação, fortalecerão as bases do compromisso socioambiental e, consequentemente, influenciarão na percepção e na sua boa reputação.

Nesse sentido, em alinhamento com as palavras de Vizeu et al. (2012), é preciso que o conhecimento sobre sustentabilidade se torne emancipado para o indivíduo e para a coletividade, no âmbito de uma práxis transformadora, na qual a condição humana seja o fim em si mesma e não os interesses econômicos concentrados nas mãos de poucos.

A superação dos desafios, presentes e futuros, associados à Gestão da Sustentabilidade, demanda a formação de equipes multidisciplinares, compostas por profissionais sérios, qualificados e que somam experiência suficiente para executar de forma correta os recursos disponíveis (respeitando cronogramas e prazos pactuados), mobilizar e engajar a cadeia de valor para a causa, respeitar os pactos de governança e as legislações vigentes, para que assim sejam maximizados os impactos sociais positivos das ações e mitigados os resultados negativos da operação das organizações em diferentes escalas territoriais.

NOTA

  1. Submetido à RIGS em: jan. 2020. Aceito para publicação em: set. 2020.
  2. Estudo realizado com 2002 entrevistados, de 143 municípios, com pessoas de 16 anos ou mais no período de 7 a 11 de abril de 2017, pela Rede Conhecimento Social, o IBOPE Inteligência e a Conhecimento Social—Estratégia e Gestão, com o objetivo de identificar percepções dos brasileiros sobre os ODS. A margem de erro é de 2 pontos percentuais sobre o total da amostra.

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Fabrício Nascimento da Cruz

Profissional do Desenvolvimento, engajado na propagação e facilitação de metodologias com enfoque participativo e integrativo. Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela EAUFBA/CIAGS (2016). Especialista em Gestão de Projetos pela ESALQ/USP (2019), em Inovação, Sustentabilidade e Gestão de Organizações da Sociedade Civil e do Terceiro Setor (2012), e, em Estudos Culturais, História e Linguagens (2009), ambas pela UniJorge. Pedagogo Escola/Empresa pela UNEB (2007). Tutor EAD do Master in Social Administration (MSA) em Gestão do Desenvolvimento Territorial com ênfase em Política Habitacional, pelo CIAGS (2018/2020). Autor do livro “O futuro chegou! E agora? Avaliação participativa conectando percepções do impacto das tecnologias nas políticas públicas educacionais”. Diretor Executivo da Atairu – Gestão & Inovação Social.
E-mail: fabricio@atairu.com.br | www.atairu.com.br

Gestão da Sustentabilidade e Gestão de Projetos: caminhos para integração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na política das organizações1